quinta-feira, 22 de julho de 2010

UM ATÉ JÁ...

Mais um ano lectivo chega, agora, ao fim. Aqui, ficam registadas algumas recordações de um ano repleto de encontros, partilhas e leituras...
Foi mais um ano em que os projectos se concretizaram e os sonhos se realizaram, com a colaboração de todos, alunos, pais e professores, em prol de uma escola que se quer cada vez mais dinâmica. Em prol de alunos cada vez mais «sabedores», informados, atentos e críticos.
Dedicámo-nos, inteiramente, para que todos valorizassem o SABER e o LER+.
Obrigada a todos quantos partilharam e colaboraram com os nossos projectos e com os nossos sonhos.
Juntamente com esta mensagem, e porque se aproxima o Dia dos Avós (26 de Julho), deixamos um texto, lindíssimo, mas pouco conhecido, do nosso Nobel José Saramago. Boas leituras nestas férias!

A professora bibliotecária
Fernanda Pinheiro

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ

Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de
aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz. Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives.
Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim.
Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!".
É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo

Matilde Rosa Araújo

Nasceu em Lisboa a 20 de Junho de 1921, na quinta dos avós, em Benfica. Em 1945, licencia-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa e em 1946 apresenta a tese inovadora por considerar a reportagem como um género literário: "A Reportagem Como Género: Génese do Jornalismo Através do Constante Histórico-Literário". Leccionou durante 42 anos, 36 dos quais no ensino secundário técnico-profissional em diversas localidades do país; 3 anos no Magistério e outros 3 anos no Jardim Escola João de Deus. Em 1956 publica Poemas Infantis e no ano seguinte O Livro da Tila. Vocacionada para as questões pedagógicas, mesmo depois de estar aposentada do ensino continua a manter contacto com as crianças em visitas e colóquios em escolas e bibliotecas. Fez parte dos corpos directivos da Sociedade Portuguesa de Escritores, foi sócia fundadora do comité português para a Unicef. Tem obras traduzidas no Brasil, na Roménia e na Moldávia.

Algumas das suas obras:
1943 - A Garrana
1945 - Estrada Sem Nome
1956 - Poemas Infantis nº 3 da Graal
1957 - O Livro da Tila
1962 - O Palhaço Verde
1962 - Praia Nova
1963 - História de Um Rapazinho
1967 - O Cantar da Tila
1971 - O Sol e o Menino dos Pés Frios
1974 - O Reino das Sete Pontas
1975 - Gil Vicente
1977 - A Balada das Vinte Meninas
1977 - As Botas do Meu Pai
1978 - A Velha do Bosque
1978 - Camões Poeta Mancebo e Pobre
1978 - Os Quatro Irmãos
1979 - O Cavaleiro Sem Espada
1980 - A Escola do Rio Verde
1986 - Voz Nua
1988 - Estrada Fascinante
1990 - O Passarinho de Maio
1993 - Rosalinda Foi à Feira
1994 - As Fadas Verdes
1997 - As Cançõezinhas da Tila
2000 - Segredos e Brinquedos
2003 - Sons Para a Guitarra da Boneca

http://6feira.blogspot.com/2010/07/matilde-rosa-araujo.html

O Berlinde

Era uma vez uma pomba
Sem um ninho, sem um pombal,
Era branca como a Lua
E os seus olhos de cristal.

Era uma vez uma pomba
Que não sabia chorar:
O seu choro trrru… trrru…
Era um modo de cantar.

Era uma vez uma pomba
Que noite e dia voava:
Fosse noite, fosse dia,
Nunca a pomba descansava.

Era uma vez uma pomba
Que nos céus, longe, voava,
Seu coração um berlinde
Grande segredo guardava.

Era uma pomba tão estranha
Que voava noite e dia:
Quanto mais alto voava
Mais da terra ela se via.

Era uma vez uma pomba
Com penas de seda real:
Era uma pomba do Mundo
Com seus olhos de cristal.

Seu coração um berlinde
De vidros de sete cores,
Que do sol tinha o brilhar,
Um espelhinho de mil flores.

Um dia longe nos céus,
Viu um menino a chorar
Sentadinho sobre um monte,
Numa noite de nevar.

Não era branco nem negro
Assim na neve o menino,
Seu chorar era triste,
Tornava-o mais pequenino.

E a pomba logo o viu
Com seus olhos de cristal:
Logo desceu para o monte
– Era aquele o seu pombal.

Poisou nas mãos do menino
Com seu corpo, seu calor:
Mãos por debaixo da neve,
Ninguém lhes sabia a cor.

Dorme, dorme, meu menino…
Branco ou negro tanto faz:
Meu coração é um berlinde,
Tem o segredo da Paz.

E o menino já ria,
Podia dormir sem medo,
Sonhava com o berlinde,
Coração feito brinquedo.

Há quem diga que uma estrela
Fugiu do céu a correr,
Atravessou todo o mundo
Para o segredo dizer.

Escutaram-na os meninos,
Têm um berlinde na mão:
Seja noite de Natal,
Seja noite de S.João.

Matilde Rosa Araújo

Loas à Chuva e ao Vento

Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Ó vento que vais,
Vai devagarinho.
Ó chuva que cais,
Mas cai de mansinho.
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Muito de mansinho
Em meu coração.
Já não tenho lenha,
Nem tenho carvão...
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Que canto tão frio
Que canto tão terno,
O canto da água,
O canto do Inverno...
Pingue...
Que triste lamento,
Embora tão terno,
O canto do vento,
O canto do Inverno...
Vu...
E os pássaros cantam
E as nuvens levantam!

Matilde Rosa Araújo, O Livro da Tila

HISTÓRIA DO SR. MAR

Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...

Matilde Rosa Araújo, O Livro da Tila

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Saudade

A Saudade

Saudade...
Todas as noites
Vens quando apago a luz…
Sinto um trovão no coração,
Acompanhado de chuviscos de suor.

De manhã, surge um arco-íris de sorrisos,
Uma brisa de felicidade.

Saudade não é só tristeza e angústia…
Saudade… é recordar-me de ti…

Mariana Paulino 7ºB, Nº 15